A
Lei Nº 10.639,
sancionada em 09 de janeiro de 2003, surge como resultado das ações
movidas pelas organizações dos movimentos negros que ao longo da
história reivindicaram uma reavaliação da participação desse
grupo na construção da sociedade brasileira e denunciaram a
violência simbólica e física que sempre incidiu historicamente
sobre o povo negro. A referida Lei alterou a LDB 9.394/96, tornando
obrigatório o ensino da história e da cultura afro em todo o
currículo da educação básica das escolas públicas e
particulares.
De
acordo com esta determinação legal, a escola é colocada com
destaque tendo em vista a sua responsabilidade na formação integral
do ser humano, na construção de valores, na produção e reprodução
da cultura. Reconhecemos que esta instituição não é a única
instituição responsável pela superação das desigualdades
raciais, no entanto é um espaço privilegiado para a superação dos
limites de uma educação eurocêntrica que desqualifica e nega a
existência dos africanos e seus descendentes.
A
escola enquanto uma instituição que tem o papel de organizar,
socializar e transmitir o conhecimento sobre a história, a cultura e
a sociedade deve atuar no sentido de desconstruir concepções
pejorativas sobre o povo negro. Por isso, a necessidade de se
compreender as especificidades histórico-cultural desse grupo no
Brasil, problematizar e ampliar essa discussão, assim como trabalhar
a partir de referenciais positivos que histórica e politicamente
foram construídos pelos movimentos de maioria afrodescendente
(GOMES, 2003)1.
Os
programas de formação inicial e continuada devem oferecer aos
docentes conhecimentos da participação africana na construção da
sociedade brasileira, como conteúdo importante para a desconstrução
dos equívocos cometidos contra esses povos e para a eliminação das
práticas racistas que se manifestam no espaço escolar. Os órgãos
responsáveis pela educação na sociedade brasileira devem assumir
essa discussão no trabalho de superação das desigualdades raciais
e oportunizar um melhor conhecimento da nossa história.
Uma
proposta pedagógica que leve alunos e alunas que frequentam as
escolas brasileiras a identificar a presença africana no nosso
cotidiano é fundamental no processo de construção da identidade
étnica. Por isso, precisamos identificar e conhecer o legado
africano presente na nossa vida, na nossa história, enquanto
conteúdo relevante que deve ser trabalhado pedagogicamente na
escola.
Gomes
(2003, p. 78) propõe que o trabalho com essa problemática na escola
deve se dar a partir de práticas pedagógicas que estejam voltadas
para o combate à discriminação racial, com a divulgação da
radicalidade da cultura negra, rompendo com o discurso que a coloca
no campo do exótico e do folclórico e questionando o mito da
democracia racial. “Significa resgatar a positividade dessa
cultura, a sua beleza, a sua radicalidade e sua presença na sua
constituição da nossa formação cultural”. Podemos compreender
por cultura negra a herança africana recriada e ressignificada no
contexto brasileiro. Esta cultura está presente na dança, na
música, na estética, no jeito de lidar com a terra, na
religiosidade, na arquitetura, no jeito de ser e viver do povo
brasileiro.
As
reflexões sobre uma educação que valorize o pluralismo de culturas
e reconheça a importância do povo africano na construção da
sociedade brasileira, deve levar em consideração a necessidade de
se conhecer e valorizar o patrimônio afro-brasileiro da localidade.
Perseguimos uma perspectiva pedagógica, onde as crianças e jovens
negros/as possam assumir uma identidade positiva de si e de sua
territorialidade e desenvolver atitudes positivas de respeito às
diferenças.
Diante
do exposto, a escola pode ficar alheia aos conhecimentos que envolvem
o universo cultural no qual o aluno está inserido e que ampliam os
fatos históricos que envolvem a sua vida, pois temos direito a uma
educação que recupere nossas memórias-históricas e fortaleça as
identidades e, nesse contexto, é importante a valorização dos
conhecimentos tradicionais das nossas comunidades.
Segundo
as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações
Étnico-Raciais e para o ensino da História e Cultura
Afro-Brasileira e Africana (2004)2,
as bases filosóficas e pedagógicas voltadas para a pedagogia
antirracista devem ter como princípios:
1.
Consciência
política e histórica da diversidade:
conduzindo à igualdade entre as pessoas pertencentes a grupos
étnico-raciais distintos e a valorização da sua história e da sua
cultura, de forma a superar indiferença, injustiça e
desqualificação, especialmente com negros e indígenas. Neste
sentido, é necessário o compromisso dos responsáveis pela
educação, em especial as equipes técnico-pedagógicas e os/as
professores/as com o estudo dos conteúdos referentes a estes temas
para que possam tomar conhecimento e promover a valorização da
participação desses povos na construção histórica e cultural
brasileira. E ainda, a eliminação de conceitos, ideias,
comportamentos que são veiculados pela ideologia do branqueamento e
pelo mito da democracia racial.
2.
Fortalecimento
de identidades e de direitos:
este princípio orienta o rompimento com imagens negativas repassadas
pelos meios de comunicação, o combate à privação e violação de
direitos, importantes no processo de afirmação das identidades que
foram historicamente negadas e distorcidas. Este diz respeito ainda
às condições de formação e instrução de qualidade, nos
diferentes níveis e nas modalidades de ensino, em todos os
estabelecimentos, sejam eles localizados nos grandes centros urbanos,
nas periferias ou nas zonas rurais.
3.
Ações
educativas de combate ao racismo e às discriminações:
o princípio orienta para o desenvolvimento de experiência educativa
que parta da história e vida dos alunos e professores, valorizando
as relações com pessoas negras, brancas, mestiças, indígenas.
Condições para que os professores, alunos e coordenadores
pedagógicos avaliem criticamente a representação dos negros e de
outras minorias nos textos e demais materiais didáticos. Valorização
do patrimônio cultural afro-brasileiro, visando a sua preservação
e difusão. Manter uma relação permanentemente com grupos do
Movimento Negro e grupos culturais negros, bem como a comunidade
local oportunizando-os a participação na elaboração de projetos
político-pedagógicos que contemplem a diversidade étnico-racial.
4.
Reconhecemos
a essência plural e complexa da cultura africana e afro-brasileira
e, por este motivo é necessário que o Estado reconheça essas
diversidades, promovendo políticas públicas que garantam a essas
diversas culturas o direito de atuarem na esfera pública de forma a
romper com uma concepção que nega as práticas culturais produzidas
pelos grupos afrodescendentes o seu caráter histórico, social,
educativo.
Cicera
Nunes
Pedagoga
pela Universidade Regional do Cariri (URCA); Especialista em
Arte-Educação também pela URCA; Mestre e Doutora em Educação
Brasileira pela Universidade Federal do Ceará (UFC).
1
GOMES, Nilma Lino. Cultura negra e educação. In.:
Revista
Brasileira de Educação. Rio
de Janeiro: Autores Associados, ano 23, mai/jun/jul, 2003. (Edição
Especial).
2
BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes
Curriculares Nacionais para o Ensino da História e Cultura
Afro-Brasileira e Africana. Brasília:
MEC, 2004.