E.E.F.M. Padre Luís Filgueiras

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

O Ensino das Africanidades na Escola de Educação Básica

A Lei Nº 10.639, sancionada em 09 de janeiro de 2003, surge como resultado das ações movidas pelas organizações dos movimentos negros que ao longo da história reivindicaram uma reavaliação da participação desse grupo na construção da sociedade brasileira e denunciaram a violência simbólica e física que sempre incidiu historicamente sobre o povo negro. A referida Lei alterou a LDB 9.394/96, tornando obrigatório o ensino da história e da cultura afro em todo o currículo da educação básica das escolas públicas e particulares.

De acordo com esta determinação legal, a escola é colocada com destaque tendo em vista a sua responsabilidade na formação integral do ser humano, na construção de valores, na produção e reprodução da cultura. Reconhecemos que esta instituição não é a única instituição responsável pela superação das desigualdades raciais, no entanto é um espaço privilegiado para a superação dos limites de uma educação eurocêntrica que desqualifica e nega a existência dos africanos e seus descendentes.

A escola enquanto uma instituição que tem o papel de organizar, socializar e transmitir o conhecimento sobre a história, a cultura e a sociedade deve atuar no sentido de desconstruir concepções pejorativas sobre o povo negro. Por isso, a necessidade de se compreender as especificidades histórico-cultural desse grupo no Brasil, problematizar e ampliar essa discussão, assim como trabalhar a partir de referenciais positivos que histórica e politicamente foram construídos pelos movimentos de maioria afrodescendente (GOMES, 2003)1.

Os programas de formação inicial e continuada devem oferecer aos docentes conhecimentos da participação africana na construção da sociedade brasileira, como conteúdo importante para a desconstrução dos equívocos cometidos contra esses povos e para a eliminação das práticas racistas que se manifestam no espaço escolar. Os órgãos responsáveis pela educação na sociedade brasileira devem assumir essa discussão no trabalho de superação das desigualdades raciais e oportunizar um melhor conhecimento da nossa história.

Uma proposta pedagógica que leve alunos e alunas que frequentam as escolas brasileiras a identificar a presença africana no nosso cotidiano é fundamental no processo de construção da identidade étnica. Por isso, precisamos identificar e conhecer o legado africano presente na nossa vida, na nossa história, enquanto conteúdo relevante que deve ser trabalhado pedagogicamente na escola.

Gomes (2003, p. 78) propõe que o trabalho com essa problemática na escola deve se dar a partir de práticas pedagógicas que estejam voltadas para o combate à discriminação racial, com a divulgação da radicalidade da cultura negra, rompendo com o discurso que a coloca no campo do exótico e do folclórico e questionando o mito da democracia racial. “Significa resgatar a positividade dessa cultura, a sua beleza, a sua radicalidade e sua presença na sua constituição da nossa formação cultural”. Podemos compreender por cultura negra a herança africana recriada e ressignificada no contexto brasileiro. Esta cultura está presente na dança, na música, na estética, no jeito de lidar com a terra, na religiosidade, na arquitetura, no jeito de ser e viver do povo brasileiro.

As reflexões sobre uma educação que valorize o pluralismo de culturas e reconheça a importância do povo africano na construção da sociedade brasileira, deve levar em consideração a necessidade de se conhecer e valorizar o patrimônio afro-brasileiro da localidade. Perseguimos uma perspectiva pedagógica, onde as crianças e jovens negros/as possam assumir uma identidade positiva de si e de sua territorialidade e desenvolver atitudes positivas de respeito às diferenças.

Diante do exposto, a escola pode ficar alheia aos conhecimentos que envolvem o universo cultural no qual o aluno está inserido e que ampliam os fatos históricos que envolvem a sua vida, pois temos direito a uma educação que recupere nossas memórias-históricas e fortaleça as identidades e, nesse contexto, é importante a valorização dos conhecimentos tradicionais das nossas comunidades.

Segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (2004)2, as bases filosóficas e pedagógicas voltadas para a pedagogia antirracista devem ter como princípios:
1. Consciência política e histórica da diversidade: conduzindo à igualdade entre as pessoas pertencentes a grupos étnico-raciais distintos e a valorização da sua história e da sua cultura, de forma a superar indiferença, injustiça e desqualificação, especialmente com negros e indígenas. Neste sentido, é necessário o compromisso dos responsáveis pela educação, em especial as equipes técnico-pedagógicas e os/as professores/as com o estudo dos conteúdos referentes a estes temas para que possam tomar conhecimento e promover a valorização da participação desses povos na construção histórica e cultural brasileira. E ainda, a eliminação de conceitos, ideias, comportamentos que são veiculados pela ideologia do branqueamento e pelo mito da democracia racial.
2. Fortalecimento de identidades e de direitos: este princípio orienta o rompimento com imagens negativas repassadas pelos meios de comunicação, o combate à privação e violação de direitos, importantes no processo de afirmação das identidades que foram historicamente negadas e distorcidas. Este diz respeito ainda às condições de formação e instrução de qualidade, nos diferentes níveis e nas modalidades de ensino, em todos os estabelecimentos, sejam eles localizados nos grandes centros urbanos, nas periferias ou nas zonas rurais.
3. Ações educativas de combate ao racismo e às discriminações: o princípio orienta para o desenvolvimento de experiência educativa que parta da história e vida dos alunos e professores, valorizando as relações com pessoas negras, brancas, mestiças, indígenas. Condições para que os professores, alunos e coordenadores pedagógicos avaliem criticamente a representação dos negros e de outras minorias nos textos e demais materiais didáticos. Valorização do patrimônio cultural afro-brasileiro, visando a sua preservação e difusão. Manter uma relação permanentemente com grupos do Movimento Negro e grupos culturais negros, bem como a comunidade local oportunizando-os a participação na elaboração de projetos político-pedagógicos que contemplem a diversidade étnico-racial.
4. Reconhecemos a essência plural e complexa da cultura africana e afro-brasileira e, por este motivo é necessário que o Estado reconheça essas diversidades, promovendo políticas públicas que garantam a essas diversas culturas o direito de atuarem na esfera pública de forma a romper com uma concepção que nega as práticas culturais produzidas pelos grupos afrodescendentes o seu caráter histórico, social, educativo.

Cicera Nunes
Pedagoga pela Universidade Regional do Cariri (URCA); Especialista em Arte-Educação também pela URCA; Mestre e Doutora em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará (UFC).

1 GOMES, Nilma Lino. Cultura negra e educação. In.: Revista Brasileira de Educação. Rio de Janeiro: Autores Associados, ano 23, mai/jun/jul, 2003. (Edição Especial).
2 BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília: MEC, 2004.

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