Desde o princípio dos tempos na Terra o homem sonha com a autorrealização e com a
felicidade. Essa busca é impulsionada pela necessidade profunda de manifestar
seus conteúdos internos, de tornar visíveis seus sentimentos, desejos e ideais,
de unir o universo interno ao mundo externo. Para dar vazão a essa necessidade,
acabou “inventando” a Arte como linguagem, oriunda da própria alma. Com ela, o
homem podia tornar real e concreta suas próprias expressões íntimas e sairia,
pelos tempos afora, geração após geração, em busca da realização dos mais
sublimes ideais.
As primeiras manifestações
dessa linguagem, feitas em forma de desenhos e pinturas há milhares de anos
pelo homo sapiens, foram descobertas em
paredes de pedra em diferentes partes do mundo. Com essas antigas
representações artísticas, os primitivos habitantes das cavernas criaram as
primeiras obras de Arte da humanidade. Na pré-história, antes mesmo de inventar
a escrita, o homem usaria a Arte para registrar o que acontecia no seu
cotidiano, como vivia e o que sentia naqueles tempos primitivos. Com o tempo,
algumas dessas imagens virariam símbolos que ainda hoje usamos na escrita.
Assim como no tempo dos
homens das cavernas havia a necessidade de comunicar seus atos e feitos por
meio da linguagem artística, hoje sabemos que a Arte é uma necessidade natural
a todos os seres humanos. Essa predisposição natural pode ser observada em
todas as crianças, quando rabiscam de maneira impulsiva e espontânea. Ao
rabiscar, elas respondem aos impulsos e às necessidades que existem
biologicamente em determinadas regiões de nosso corpo e que ficam em estado
latente em nossos hemisférios cerebrais.
Dividido ao meio, nosso
cérebro aprende e armazena os conteúdos do aprendizado lógico exigidos pela
educação tradicional no seu lado esquerdo. O lado direito, porém, destina-se a
armazenar tudo o que aprendemos por intermédio da Arte. Tão importante quanto o
lado racional que fica no hemisfério esquerdo, o lado direito, ou hemisfério da
Arte, é tão essencial à vida humana quanto o lado lógico e racional.
Muito além do simples
aprendizado de conteúdos e da racionalidade, para sentir-se completo, o homem precisa manifestar seus anseios,
sonhos e sentimentos artisticamente. Transformadora de objetos e
realidades, expressão do sagrado e do humano, a Arte está presente em nos
locais de culto e adoração de diferentes culturas e em diversos credos
religiosos. Podemos ver essas obras nas imagens de santos e vitrais nas
igrejas, nas manifestações populares do folclore e nas apresentações de peças
da música clássica e ópera.
Xilogravura para ilustração de capas de folhetos de cordel, na figura de cantadores, vaqueiros, cangaceiros, bois, aves e animais de nossa fauna, muito encontrado nas feiras |
Parte essencial na explicação
da gênese de muitas das crenças que conhecemos, a Arte é o elemento principal de
narrativas passadas de geração a geração entre diferentes culturas e povos.
Alguns orientais acreditavam que o mundo e a humanidade foram criados por uma
divindade feliz, que dançava e cantava enquanto os criava. Por causa dessa
crença de que foram criados por um alegre deus cantor e dançarino, tais povos
fazem tanto da música quanto da dança momentos de consagração à vida e
atividades importantes no cotidiano de sua cultura em suas celebrações
coletivas.
Os textos religiosos da
Gênese que norteiam a crença do início do mundo para judeus e cristãos, relatam
que Deus, como escultor, fez o homem modelando o barro e depois, de seu próprio
divino hálito, soprou nele a vida. Em nossa cultura, contam os índios guaranis
que os homens foram criados por Nhanderú. Cantando, o deus dos indígenas criou as
flautas e colocou dentro delas as almas. Para eles, crença, nossos corpos são
flautas e nossas almas, músicas criadas por Deus. Quando corpo e alma, flauta e
música, estão em desarmonia, o homem adoece e para curá-lo os guaranis dançam,
harmonizando assim corpo e alma, usando a Arte como forma de medicina natural.
Nessas diferentes culturas, a
explicação de como foram criados o mundo e os homens há um ponto em comum: seja
descrito como um cantor e dançarino no oriente, um escultor entre os judeus e
cristãos, um músico e fabricante de instrumentos de sopro entre os índios brasileiros,
Deus é o supremo grande artista e nós, seres humanos, nossos corpos e nossas
almas, suas obras de arte.
Enquanto meio de expressão da
beleza, de busca divina e materialização do mundo interior do indivíduo, segundo
o pintor Paul Klee, “a Arte torna visível o invisível”. Para o artista Georges
Braque, “Na Arte só uma coisa importa – aquilo que não se pode explicar”,
enquanto George Bernard Shaw acreditava que “Os espelhos são feitos para ver o rosto; a Arte para ver a alma”.
Elemento transformador e
fundamental, a Arte permite a manifestação mais profunda dos anseios de
realização, beleza e paz nas almas humanas. Ela dá novos significados a
objetos, amplia a própria vida e torna belo o mundo em que vivemos; mundo este
que seria triste e caótico sem as cores, os sons, o movimento e as maravilhosas
descobertas da Arte. Para o poeta Ferreira Gullar: “A Arte existe, porque a
vida não basta”.
Movida por suas necessidades
interiores, a humanidade desde seus primórdios tem feito da Arte seu canal de
expressão do que há de mais profundo, um caminho de ligação entre o humano e o
sublime. Da criança que rabisca ao mais consagrado dos artistas como
Michelangelo Buonarroti, criador de tantas maravilhas durante o Renascimento
europeu; do artista popular esculpindo santos de madeira nas portas de suas
casas humildes do interior brasileiro à grandeza das esculturas do Mestre
Aleijadinho nos altares e nas igrejas de Minas Gerais; do anônimo tocador de
pífano e triângulo nas festas do interior aos grandes compositores mundiais, a
Arte é a expressão maior da beleza e a realização das criaturas.
Manifestação do universo
interno de seu criador é por meio da Arte que buscamos a realização dos mais
elevados anseios de felicidade, paz, beleza e satisfação humana. Na educação, a
Arte exerce papéis fundamentais como o de estimular a criatividade, facilitar a
autoexpressão, abrir novos horizontes culturais, facilitar a leitura de mundo,
ampliar conhecimentos e despertar o interesse por novos saberes, além de
facilitar práticas transdisciplinares.
A importância do uso das
diversas linguagens artísticas na educação, tais como o teatro, o canto, a
dança, as artes plásticas em nossa sociedade cada vez mais repleta de
comunicações visuais e linguagens não verbais, foi reconhecido pela LDB – Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394/96. Em seu artigo 26,
parágrafo 2º, a LDB define que: O ensino da arte, especialmente em suas
expressões regionais, constituirá componente curricular obrigatório, nos
diversos níveis da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento
cultural dos alunos.
Por ser a Arte um patrimônio
cultural da humanidade, e todo ser humano tem direito ao acesso a esse saber,
compreendemos hoje que aprender por meio dela é uma forma de pedagogia lúdica,
agradável, criativa e reflexiva. Com ela, ao mesmo tempo em que se ensina,
desenvolve-se a sensibilidade, a criatividade, a imaginação e a percepção.
Assim, todas as disciplinas e temáticas de estudo podem se tornar mais
atraentes e próximas aos alunos se utilizarmos as diversas expressões da Arte
no desenvolvimento das atividades.
Lições aprendidas com Arte permanecem
mais profundamente em nossa memória e favorecem o desabrochar da autonomia, o
fortalecimento da autoestima, a revelação da identidade, a construção coletiva
e partilhada de palavras, gestos, histórias, cantos, cultura.
Walkiria Kaminski
Mestra em Letras – Teoria Literária pela PUC Paraná.
Arte-terapeuta dedicada à saúde mental e também ao atendimento em arte para
autistas, escritora e consultora educacional.