E.E.F.M. Padre Luís Filgueiras

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

O Que Posso Aprender com Isso?

Gosto muito de caderno novo, de uma agenda que oferece suas páginas em branco para que um novo ano se inicie. Sabe-se que o tempo é um dom da eternidade, mas para nós humanos o tempo fatiado em minutos, horas, dias, meses, anos, representa a chance preciosa de recomeçar, reaprender, renovar-se.

Gosto igualmente de ver essas novas páginas irem sendo preenchidas com pensamentos, experiências, sonhos, desejos, desafios, realizações, dúvidas e, até mesmo tristezas e decepções. Isso também faz parte do viver. E, uma das mais significativas aprendizagens de minha vida foi justamente a pergunta: o que posso aprender com isso? Essa indagação feita a mim mesma frente aos mais diversos acontecimentos do cotidiano tem sempre possibilitado vislumbrar coisas boas mesmo nos momentos ruins.

A educação emocional nos ensina que o que importa não é o que nos acontece e sim o fazemos com o que nos acontece. Diante de uma dificuldade há os que recuam, os que ficam imobilizados, mas temos também os que perseveram. Dom Helder Câmara dizia que “É graça divina começar bem. Graça maior persistir na caminhada certa. Mas a graça das graças é não desistir nunca”.

Creio que os professores são desses que não desistem nunca, embora lidando, na maioria das vezes, com uma problemática social e humana que se apresenta a cada dia mais complexa, confusa, contraditória. Lembro especialmente de uma professora, mulher obstinada e idealista, que me disse certa vez com os olhos brilhantes: nenhum aluno haverá de passar por mim em vão. Haverei de depositar em cada um, sementes de reflexão e de autoconhecimento. Afinal, o autoconhecimento, como bem dizia Sócrates, é a base de todo verdadeiro conhecimento.

Outra professora, da qual sempre lembro, foi a que me narrou a seguinte história: recém formada, foi lotada em uma escola pública, no turno da noite, em um bairro distante do centro. No primeiro dia de aula quis fazer algo diferente. Defendia com insistência que problemas antigos precisam de soluções novas. Levou para a sala uma toalha branca, um pequeno aquário redondo que tomou como se fosse uma bola de cristal e propôs a turma uma questão: o destino existe?

Somos senhores da nossa vida ou tudo já está determinado? Sugeriu antes da roda de conversa para discutir o tema que fizessem uma pequena dramatização com alguém vivendo o papel de cartomante. Um aluno sentado no final da sala reclamou de imediato: que é isso professora! Que aula é essa?! Eu é que não vou participar dessa palhaçada!

Porém, para sua felicidade outra aluna acolheu a ideia dizendo que era formidável e ela faria o papel de cartomante. A jovem era brilhante e desempenhou tão bem o seu improvisado papel que a turma se envolveu completamente na aula e na discussão que se seguiu foi muito participativa e enriquecedora. Lá atrás, porém, o jovem permanecia em silêncio com uma expressão de desagradado.

Os dias foram seguindo com novas aulas e novas situações-problemas sendo apresentadas ao grupo. O rapaz pouco falava limitando-se a entregar algum trabalho escrito quando era solicitado. Numa noite, em outra turma, numa última aula, a professora deparou-se com uma situação extremamente tensa: um aluno, visivelmente alterado, a enfrentou dizendo: veja o que eu faço com o conhecimento que você preza tanto! E tocou fogo no livro didático.

Os colegas assustados trataram de apagar a labareda que crescia e quando ela indicou que ele se retirasse e fosse conversar com a coordenação, ele passou por ela e disse baixinho: sei onde você pega o ônibus. E sei que você fica lá sozinha. Frente à clara ameaça ela respirou fundo buscando reorganizar suas emoções e continuou a aula.

Quando a sineta tocou e ela desceu a escola estava praticamente deserta e a coordenação já havia saído. Parou então, fitando a rua envolta na noite e pensando o que devia fazer. Foi quando percebeu a presença daquele aluno da aula da cartomante. Era um rapaz alto e bastante forte e segundo soubera muito bem relacionado na comunidade. Professora, eu estava esperando pela senhora. Gostaria que me permitisse acompanhá-la até o ponto de ônibus.

Enquanto caminhamos vou falando algumas coisas que preciso partilhar com a senhora. Sei que naquele primeiro dia de aula fui bastante grosseiro. Naquele dia eu estava muito infeliz. Estava bebendo muito, faltando ao trabalho, e minha noiva por quem sou apaixonado tinha ameaçado romper o noivado se eu não parasse de beber.

Aquela sua aula da qual aparentemente não participei me fez pensar muito sobre minha vida e sobre o que eu desejo construir e conquistar. Decidi que não vou mais beber, busquei ajuda nos Alcoólatras Anônimos, retomei meu trabalho e estou de casamento marcado. Quero que a senhora compareça e seja nossa madrinha. Comovida, a professora disse que sim e quando diante do ônibus que chegara ele lhe disse: sabe professora, a senhora salvou a minha vida, ela retrucou já dentro do ônibus: pois estamos quites, porque hoje você também salvou a minha!

A professora que me contou essa história permanece até hoje apaixonada pelo que faz e envolvida no seu fazer pedagógico como um ato amoroso, que lhe solicita paciência e sabedoria. Ela sempre se indaga sobre qual entre tantas palavras é aquela que irá tocar o coração daqueles que lhe escutam e até mesmo qual é a palavra que eles irão escutar. A cada aula, ela se reinventa, na compreensão que aquele momento é absolutamente único como possibilidade de troca de saberes.

Certamente que, para manter esse sentimento de automotivação, é preciso vivenciar práticas mentais emocionalmente inteligentes que permitam transformar emoções densas, como a raiva, o medo e a tristeza, em emoções sutis, como o amor e a alegria. É preciso também ter clareza da própria missão e daquilo que dá sentido a existência; nossa razão maior para estarmos vivos é fazermos a diferença no planeta que habitamos.

Apesar de desafiante, o ofício do professor permite como poucos a grandeza de tocar a alma humana e transformar vidas. Ensinar a pensar, despertar para a aprendizagem como prática constante de quem não apenas memoriza fórmulas e dados se torna capaz de enxergar a luz na escuridão; carrega a grandeza e a beleza daquilo que nos torna verdadeiramente humanos.

Amelia Albuquerque
Pedagoga e especialista em Desenvolvimento de Recursos Humanos e psicopedagogia.

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